A tecnologia de Realidade Virtual como recurso no âmbito da Educação Especial

Psic. Francyelle Marques de Lima - CRP-14 06122-7
May 5, 2024
A tecnologia de Realidade Virtual como recurso no âmbito da Educação Especial

  • O que é Realidade Virtual?

A Realidade Virtual (RV) pode ser definida como uma interface avançada que permite ao usuário se movimentar e interagir em tempo real em um ambiente tridimensional (KIRNER, SISCOUTTO, 2007). Uma das características da RV é a possibilidade de criar representações virtuais de ambientes e situações reais. Torna-se possível também simular situações perigosas ou caras com segurança e economia através de um óculos de realidade virtual (CARDOSO, 2002).

A ideia de envolvimento é definida como a manutenção da atenção em um conjunto de estímulos dos sentidos humanos (tato, visão e audição). Está ligada à capacidade que o ambiente virtual possui de fazer com que o usuário se sinta motivado e engajado ao realizar a atividade, o que é um desafio recorrente no ambiente educacional (FREITAS, 2008).

  • Por que a Realidade Virtual promove maior engajamento e eficiência no processo educacional dos estudantes?

O fato de serem interativos significa que os ambientes virtuais não são projetados para permitir apenas uma visualização passiva do ambiente, mas também para permitir que o usuário interaja com o ambiente e seus objetos, controlando inclusive o seu próprio ritmo. Segundo Kimer e Siscoutto (2007), a possibilidade de o usuário interagir com um ambiente virtual realista em tempo-real, vendo as cenas serem alteradas como resposta aos seus comandos, torna a interação mais rica e natural propiciando maior engajamento e eficiência, principalmente quando relacionados com as características e necessidades da educação especial.

A Realidade Virtual pode ser considerada como uma das possibilidades que a tecnologia oferece para mediar os processos educativos visando atrair a atenção do aluno, interferindo positivamente no engajamento para aprender e na retenção desse aprendizado (MARINS, HAGUENAUER, CUNHA, 2007).

Outra característica desta tecnologia que interessa à Educação é o fato de adequar-se a diferentes formas de aprender, respeitando às características, como por exemplo, o ritmo de aprendizado de cada pessoa. Isso é importante especialmente para a Educação Inclusiva que tem como objetivo atender a todos os alunos na sua singularidade.

Para pessoas que apresentam dificuldades no entendimento de equações e teorias, a RV pode ser usada para materializar seus elementos. Para aqueles que são visuais e não verbais e preferem gráficos e imagens a explicações e fórmulas, a RV também é útil devido a seu aspecto altamente visual. Já para pessoas que preferem aprender por meio da exploração, a RV pode permitir a análise detalhada, muitas vezes impossível por outros meios.

Finalmente, para aqueles que preferem aprender de forma ativa, interagindo com o ambiente, ao invés de obter uma aprendizagem passiva e introspectiva, a RV fornece ambientes interativos, permitindo a manipulação direta com um ambiente que responda às ações do usuário (BARILLI, 2007).

  • Quais os principais benefícios da utilização da Realidade Virtual na educação especial?

A realidade virtual configura-se como um recurso potente para auxiliar no desenvolvimento de pessoas com deficiência, pois permite oferecer um ambiente seguro, repetível e diversificado durante o aprendizado, respeitando o ritmo de cada estudante.

A literatura reconhece os benefícios potenciais da realidade virtual no apoio ao processo de aprendizagem, particularmente relacionado a situações sociais, em crianças com autismo (Strickland et al. 2007). O realismo do ambiente simulado permite que pessoas com autismo aprendam habilidades importantes (Strickland, 2007). Além disso, a realidade virtual muitas vezes é mais adequada para a aprendizagem que os ambientes reais, isso porque:

‍1. Remove estímulos concorrentes e confusos do contexto social e ambiental;

2. Controla o tempo usando pausas curtas para esclarecer aos participantes as variáveis envolvidas nos processos de interação;

3. Permite que os estudantes aprendam enquanto brincam.

Diversos autores (BELL; FOGLER, 1995; MANTOVANI, 2003; STANDEN; BROWN, 2006) apontam vantagens da utilização da RV para fins educacionais. Segundo tais autores, a RV:

• Permite que o aprendiz desenvolva o trabalho no seu próprio ritmo;

• Requer interação, exigindo que cada participante se torne ativo dentro de um processo de visualização;

• Ilustra características e processos, de forma mais poderosa do que outros meios multimídia;

• Permite visualizar detalhes de objetos;

• Permite visualizar objetos que estão a grandes distâncias;

• Permite realizar experimentos virtuais, na falta de recursos para realizar um experimento real;

• Permite ao aprendiz refazer experimentos de forma atemporal, fora do período regular de aula;

• Encoraja a criatividade;

• Favorece a fixação de conteúdos a curto e a longo prazo e cria uma nova forma individualizada de representação de conhecimentos, propiciando melhor tratamento das informações;

• Cria a oportunidade de aprender cometendo erros, mas sem sofrer por humilhações ou por consequências desastrosas dos erros cometidos;

Outros benefícios que podem ser observados com o uso de Realidade Virtual em educação são (MARINS; HAGUENAUER; CUNHA, 2007):

• A RV torna o aprendizado mais interessante e divertido, o que faz aumentar a motivação e a atenção do aluno, podendo inclusive diminuir a evasão escolar.

• Redução de custos, quando a utilização do objeto/ambiente real for mais dispendiosa que a simulação;

• Aumenta a retenção do conhecimento através da sensação de realismo;

• Melhora a transferência de aprendizagem para o mundo real;

• Elimina riscos e perigos para o ambiente, para o professor ou para o aprendiz, o que faz com que as simulações baseadas em RV estejam sendo cada vez mais utilizadas em treinamento militar, na medicina, na aviação e em campos onde decisões e ações dos aprendizes podem ser perigosas.

‍Por fim, um estudo realizado pela PWC (2020) avaliou a eficácia da utilização da realidade virtual para o treinamento de competências e mostrou que:

1. Os alunos de RV aprendem 4 vezes mais rápido que na sala de aula.

2. Os alunos de RV são 275% mais confiantes para aplicar as habilidades aprendidas após o treinamento. A confiança é um fator-chave para o sucesso ao aprender habilidades sociais e a RV permite a prática de lidar com situações difíceis em um ambiente seguro.

3. Os alunos de RV são 3,75 vezes mais conectados emocionalmente ao conteúdo do que os alunos de aulas tradicionais. Quando as emoções estão envolvidas, as pessoas se conectam, entendem e lembram das coisas mais profundamente. O aprendizado baseado em simulação de RV oferece a oportunidade para os indivíduos sentirem como se tivessem tido uma experiência significativa.

‍4. Os alunos de RV são 4 vezes mais focados do que seus colegas de e-learning, isso acontece porque as simulações de RV e experiências imersivas exigem total atenção e visão dos indivíduos.

  • A utilização da plataforma Therafy pelos estudantes da educação especial é possível e segura ?

O software Therafy foi especialmente criado para promover o desenvolvimento de pessoas com deficiência, com o apoio da tecnologia. Um time de especialistas em desenvolvimento humano e em tecnologia imersiva se uniram para construir uma plataforma completamente adaptada à realidade de pessoas com deficiência, especialmente para pessoas com Transtorno do Espectro Autista, os quais possuem características muito específicas na relação com estímulos sensoriais. 

Nossas experiências e testes desenvolvidos ao longo dos anos de 2021, 2022 e 2023 mostraram que os estudantes com deficiência aprendem a utilizar os óculos de realidade virtual rapidamente, interagem de forma eficiente e demonstram engajamento com a atividade. Ademais, pesquisas anteriores mostraram melhorias significativas no desempenho de habilidades após a utilização da Realidade Virtual. Além da tecnologia desenvolver novas possibilidades educacionais e terapêuticas, a RV também pode gerar intermediações culturais, emocionais e facilitar o desenvolvimento das capacidades lógicas e cognitivas. 

O Instituto de Pesquisa e Tratamento para Distúrbios do Espectro Autista (TRIAD, 2015) afirma que crianças autistas interagem melhor com as máquinas do que com os terapeutas. Deste modo, pode-se afirmar que os jogos digitais são importantes facilitadores das atividades escolares e extras-classe, uma vez que são intuitivas, estimulantes e de fácil manuseio.

‍Desta forma, a utilização de ferramentas de RV, somada ao conhecimento sobre educação especial é muito promissora e pode auxiliar educadores a facilitar o desenvolvimento de pessoas com deficiências, promovendo melhoria da qualidade de vida e facilitando sua integração na família e na sociedade.

REFERÊNCIAS

BARILLI, E. C. V. C. Aplicação de Métodos e Técnicas de Realidade Virtual para Apoiar Processos Educativos a Distância que Exijam o Desenvolvimento de Habilidades Motoras. Tese (Doutorado em Engenharia Civil - Sistemas Computacionais) 2007 262p. COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.

BELL, J. T.; FOGLER, H. S. The Investigation and Application of Virtual Reality as an Educational Tool. In: Proceedings Of The American Society For Engineering Education Annual Conference, Anaheim, CA, June 1995.

CARDOSO, A. Uma Arquitetura para Elaboração de Experimentos Virtuais Interativos suportados por Realidade Virtual não-imersiva. 2002. 163p. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo - USP, São Paulo, 2002

FREITAS, M. R. LudosTop: Estratégia de Jogos e Realidade Virtual com vistas ao desenvolvimento do pensamento lógico-matemático. 2008. 137p. Dissertação (Mestrado em Ciências). Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2008.

KIRNER, C.; SISCOUTTO, R. A. Fundamentos de Realidade Virtual e Aumentada. In: (org.). Realidade Virtual e Aumentada: Conceitos, Projetos e Aplicações. Livro do Pré-Simpósio IX Symposium on Virtual and Augmented Reality. Editora SBC - Sociedade Brasileira de Computação, Porto Alegre, 2007.

MANTOVANI, F. VR Learning: Potential and Challenges for the Use of 3D Environments in Education and Training. In: Riva. G; Galimberti C. (Eds.) Towards Cyber Psychology: Mind, Cognitions and Society in the Internet Age. Amsterdam, IOS Press, © 2003 p. 208-226.

MARINS, V.; HAGUENAUER, C.; CUNHA, G. Realidade Virtual em Educação: Criando Objetos de Aprendizagem com VRML. Colabor@ - A Revista Digital da CVA- RICESU. 4(15), 2007.

STANDEN, P. J.; BROWN, D. J. Virtual reality and its role in removing the barriers that turn cognitive impairments into intellectual disability. Virtual Reality. Springer. 2006 рр. 241-252.

PWC. The Effectiveness of virtual reality soft skills training in the enterprise, 2020.